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  • Writer's pictureSegundo Corte

Ninguém perguntou sobre a 4ª parede

Coletânea de respostas aos diversos podcasts sobre cinema que o Brasil tem.


Ninguém perguntou, nem pediu. Mas tenho me perturbado com achismos e discussões não tão profundas acerca do conceito "QUEBRA DA QUARTA PAREDE", nos podcasts que falam de cinema. Minha questão é com a utilização disso como um recurso estrito ao "olha pra lente". Quase simplificando um método a uma forma única de usar a plateia como ponto da realidade. Não sei se cabe, mas aqui vão meus 5c's sobre:


A meu ver, a premissa conceitual EQUIVOCADA é usada muitas vezes exemplificado com Fleebag, The Office, ou Deadpool, como produtos exemplares da quebra da quarta parede, porque os personagens estão falando comigo (eu, telespectador).

E isso, em parte é divertido, em parte é desesperador.

O erro pode estar na premissa do conceito. E sei que o objetivo dos podcasts que falam de cinema nunca foi pedagógico ou educacional, ou até mesmo informativo, por assim dizer. São mais pela farra, e o clima bom que fica ao final. Além de fazer uma curadoria jornalística de coisas pra se divertir no final de semana. Porém, acho que valeria um espaço de resposta.

Em termos mais restritos, e de forma até (talvez) equivocada, eu sempre afirmei para os alunos que: Não há QUEBRA DE 4ª PARADE em Comédia. Ponto.

Não há.

A comédia é um gênero que usa o público como parte do ponto de "virada" para o resultado da dramaturgia. E, talvez, essa seja a pior definição de Comédia. Mas o elemento cômico usa a plateia como "escada". Sendo assim, assume-a sempre presente, desde a armação até a finalização da piada. Ela é um gênero bastante intelectual. Tanto que as comédias mais diretas (stand-up/palhaços/circo/mágicos/mil outros...) não têm uma parede, na real. Têm uma comunicação DIRETA e ABERTA.

Realismos e Naturalismos (contemporâneos ou históricos - Stanislavski/Brecht/Ibsen) esses sim, PRECISAM da PAREDE "FRONTAL" para bloquear a plateia da cena. Isso é normal na TV, por exemplo. E NESSES CASOS, caso haja a necessidade de se dirigir à plateia, há uma QUEBRA dessa "parede" "frontal".

Conceitualmente a comédia não tem a 4ª parede para ser quebrada. A Tragédia tem. E faz parte da Hamartia (falha trágica do herói), que ao cometê-la, como uma falha exemplar, precisemos da quebra. Pois, lembremos, as Tragédias (principalmente as gregas 429aec) eram mais EDUCACIONAIS do que qualquer coisa.

E por isso, ter personagens dirigindo-se diretamente ao público (a parte ou não) servia a essa educação, para que se ensine o que o público precisava aprender do espetáculo/cena. E nem assim, eu acho tão "Quebra". Pois, não faltam exemplos - até em Shakespeare - de personagens que contam pra plateia o que ela irá ver. Como um deliberado spoiler.

A estética realista estabelece o tranche de vie (uma fatia da vida), tão real que a água saia das torneiras, em cenas de teatro, por exemplo. Tão real que a plateia precisava acreditar que o que se vê “É A REALIDADE!”, e não apenas se parece com ela. E para tal, as 4 paredes são fundamentais. Claro que, em alguns casos políticos, era necessário chamar ainda mais a atenção, educar, focar pontos críticos do entendimento. E então, nesses casos, há uma quebra de fato. Não apenas um direcionamento. Mas sim, uma quebra! Um momento que se vê o Ator/Atriz civil falando com o público civil. No teatro contemporâneo, se isso for bem usado é devastador e potente.

Como esse tema é um assunto que estudei e debato anos e anos a fio com alunos, colegas e parceiros, sempre que vejo/ouço pessoas podcastando sobre isso, ou até questões de linguagem atreladas aos produtos artísticos, eu tendo a relevar, se essas pessoas estão falando do ponto de vista externo ao da criação. São analistas/público. E não criadores internos de seus personagens. Não são eles que experienciam a "quebra da quarta paredes" como Atores/Atrizes. Mas sim, como espectadores. Eu relevo mais ainda nesses casos. Mas, academicamente não é acurado, ou aprofundado, afirmar que "QUEBRAR A PAREDE É OLHAR PRA LENTE". Não é!

Usar "4ª paredes" nessa ideia, e não discutir as questões fundantes disso, as questões subjacentes disso, não permite aprofundar em pontos que são complexos e lindos de se discutir acerca das Linguagens Cênicas, e do fazer cênico.

Esse debate perpassa por ideias muito interessantes que mostram bastante como somos e o que temos produzido sob a chancela de Cênicas no Brasil. O fato de a TV, até hoje, por exemplo, fazer um enorme esforço para continuar fingindo não parecer TV, ou os filmes ao usar essa "quebra" o fazem sempre como recursos de piadelas, pode ser um sintoma de estarmos ainda presos ao julgo da estetica Realista de 1900. Mesmo em fantasias absais, nao se costuma ver um painel LED de iluminaçao. Ou o tripé da câmera. Isso seria "quebrar a fantasia". Será?

Não só nos espetáculos de rua, mas também nas academias, temos TESES e mais TESES sobre o porquê de as cênicas ainda manterem uma característica prisioneira dessa estética realista, em especial nos meios eletrônicos. Estética essa, que vazou até o Teatro. Exemplificamos com a quantidade de vezes que usamos os prêmios de "melhor atriz" a quem chora melhor, ou se parece mais com o Real. É como se atuação fosse representação do natural. Ou até, presa a uma ideia errônea e simplista de que boa atuação é quando o ator tem carisma. Não! Não é.


ESSE É UM BAITA TEMA!


Eu amaria aprofundarmos e debatermos mais isso. Principalmente sobre essa dominância estética da:


- "Boa atuação = choro";

- "Atriz pra ser boa tem que chorar";

- "Ator pra ser bom tem que -parecer- fisicamente";

- Realismo na atuação/naturalidade = bom ator";

- "Bom ator = carismático"

- "Comédia = Risada"

- "Sair ou Entrar no personagem"...

E tantos outros temas DIRETAMENTE ligados ao conceito fundante: 4 paredes que separam o Espectador do "Momento Magico Cênico". São esses, o fundamento que aprisionou nossos gostos por apreciação em Realidade.

Não se costuma pensar o quanto esse debate escoaria em Star Wars, por ex. Ou em Superman... Ou até essa máxima de "quebrar a parede" é a ação mais atrelada à comédia, quando ela não está no gênero cômico, e está tão distante do Trágico, quando foi nele que ela se fundou. Uma tese!

Temos dezenas de ep de podcasts e vídeos no Youtube Br sobre esse assunto. Mas não se discute a linguagem realista da "quarta parede" propriamente, ou esses tópicos genericamente. Embora possa parecer distante, eles estão no fundamento da "QUEBRA".

Ainda que não eu queira permanecer em uma discussão que, claramente, não há como "ganhar", sinto um ponto que falta acrescentar e (PRINCIPALMENTE) me corrigir. Sim, uma das coisas que a Clownaria me ensinou bem é reavaliar se estava certo; Super recomendo. Entao, a noção de que se pode criar, ou simplificar o conceito, simplesmente porque tem um monte de gente que usa assim é bem prejudicial ao aprendizado ou estudo da Arte.

Tenho aqui uns 60 ep de podcast de teatro (o Trabalho de Mesa), que deve envolver umas 200 pessoas. Pessoas oriundas da academia a palhaços de rua, que vivem bem há uns 50 anos dessa profissão. E estou me referindo a artistas que pagam, há 50 anos, suas contas com arte. Fazendo. Não falando dela. Poucos desses concordarão com essa PREMISSA EQUIVOCADA: "quebra de quarta parede é quando o ator olha pra lente" (e essa é a base do argumento geralmente usado).

Tem coisas que não dá pra usar como "opinião". Não é porque estão usando a máscara ERRADO, mesmo que um monte de gente, que não precisemos apontar que existe, SIM, a forma certa de usar.

E antes que venha o contra-argumento: mas isso é ARTE, e arte é subjetiva! Arte Liberta! Arte é linda! Arte é amor!... E todas essas ingenuidades new-age de quem não tem boleto rolando para pagar APENAS E EXCLUSIVAMENTE com seus produtos artísticos, eu convido a ler as teses e mais teses, bem como boa parte da produção acadêmica sobre o tema. Ou assistir à quantidade enorme de produtos artísticos sendo feita com mais profundidade do que o mísero: "Olhou pra mim, está quebrada".


- - -


Eu disse (ainda que resguardada a ideia de poder errar) que, por excelência, a comédia NÃO POSSUI quatro paredes. Isso pode estar errado. Eu sei. Mas é uma boa forma de abordar o Gênero. Entendo que o conceito de "quebra ou não quebra da parede" pode ser mais amplo que os gêneros cênicos, e que ainda, pode estar calcado apenas no formato. E não tanto no objeto cênico. Como uma "quebra" da ilusão e não tanto quanto a quebra do que o símbolo teatral encerrado nas quatro paredes. Ok.

Sendo assim um EXCELENTE exemplo de quebra total de quarta parede, sem o aspecto de "atriz olhar ou não" pra lente, poderia vir das comédias de Buster Keaton:




















One Week - de Buster Keaton (1920)


Estamos falando de um cinema bem inicial, de 1900/20, em que ainda não tão contaminado com a estética naturalista dos prêmios de melhor ator do Oscar, poderiamos dizer como desbravadores e experimentais. Eu sei que Chaplin ou Keaton nao são "desbravadores". Mas, deu pra entender o ponto, não?

Nessa cena, note que o desespero é, de fato, a mão e não tanto o olhar da atriz para a lente. Pois assim, somos obrigado a assumir que isso foi filmado! Em contraponto ao já estabelecido em The Office, por exemplo. No seriado o plot/tema/história é o documental. É o fato de acompanharmos uma equipe de filmagem em uma repartição/empresa dos EUA. É esse o ponto em The Office. E não, em One Week (1920).

Em One Week temos uma QUEBRA. No caso do The Office, não. Caio num ninho conceitual irreparável chamado: metalinguagem. Eu gosto muito de usar esse esse exemplo com os alunos, quando precisamos entender do que se trata uma quebra. Porém, muito menos pelo o Gênero, mas sim, para estabelecer o que seria "plateia", como plateia.


É claro que isso não é invenção de Keaton ou até do Cinema. Se formos usar exemplos das tragédias renascentistas, teremos umas clássicas de Shakespeare, em termos de texto, que deixam clara a ideia em “a partes”. Ainda que só no texto.

Em uma versão de Hamlet (2000) para o cinema, os solilóquios são ditos com uma VHS na mão, direto pra nós. E é possivel achar um direcionamento à plateia na peça.





Hamlet 2000

Dir. Michael Almereyda










Romeo and Juliet (1597 / Shakespeare)



E a Tragédia como fica? Pois é muito fácil achar muitos exemplos de quebra de quarta parede na Comédia. Então, eu não classificaria como quebra propriamente exemplos de CORO ou tragédias clássicas em que os solilóquios estão escritos como “(a parte)”. Até porque, para quebrar, precisaríamos estabelecer antes. E estabelecida de fato, a 4ª PAREDE só foi depois de 1900, com a chegada e sistematização do Naturalismo e Realismo no mundo cênico. Mas ainda assim, a tragédia tem uma forma mais dolorosa de brincar com o espectador, quando se trata de quebras.







I'm Thinking of Ending Things (2020) - Dir. Charlie Kaufman (aprx 18min de filme)


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Até o cinema, no início, era bem mais fantasioso e mágico. Essa estética Realista no cinema é moderna (não no conceito literário). Tanto que se diz: "Fulana é boa atriz" quando está envolvida essa estética de "REPRESENTAÇAO DA REALIDADE". Então, o cinema sempre foi mais voltado a essa "pseudo-quebra". Pois, já não conta com uma estrutura DRAMÁTICA (ação) por assim dizer. E sim, muito mais ÉPICA (narrativa).

Porém, não dá pra negar que o CORO, tanto nas peças Gregas, Renascentistas, ou até nas Românticas, fazia o papel de COMENTARISTA, não tanto de NARRADOR. Era a forma do autor se dirigir à plateia, sem precisar criar um personagem para isso. Ele explica, conta e re-conta a trama para o público. O que é o motivo, ou a razão, da 4ª parede afinal, não? Sendo assim, não diria que é uma quebra. Pois ela não estava lá. Porém, é uma abertura de comunicação do "civil-ator-personagem” para a plateia, tal qual, uma música "Diégesis”, que oferece esse diálogo direto, na tentativa de explicar/comunicar. E nem acho valido abrir a vala do "o que é a música diegética”. Porém, vale lembrar que essa é também uma forma de abrir a comunicação direta entre Público-“personagem”. (E também não vou abrir a vala do “o que é personagem/atuação”).

Acho que é isso.

Reinecken









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